Tenho vivido umas semanas muito complicadas, num espaço laboral, com laivos de ambiente de cortar à faca. Muitas vezes tenho noção, que com o tempo, nós criamos (mesmo quando não nos apercebemos) carapaças mais ou menos impenetráveis e que nos permitem ir seguindo em frente. É verdade que ao fim do dia precisamos de estar a desabafar durante uma hora ao telefone com uma boa amiga, que tem paciência para nos aturar ou que sofre dos mesmos males e acabamos em confessionário mútuo, mas no dia seguinte voltamos à carga.
Depois há aqueles dias em que algo acontece e que nos faz pensar nas causas, nas consequências... em comparações com vivências semelhantes, mas atitudes tão diferentes.
No meu 11º ano apanhei com um professor formado numa área paralela à disciplina que leccionava e que nada tinha a ver com o ensino. Um professor que, embora transparecesse boa vontade, mais não fazia que debitar o que encontrava no manual e ficar num estado de vermelhidão incandescente, sempre que algum de nós lhe perguntava a mais básica das questões. Decidida a ingressar no ensino superior e precisando de fazer exame a essa disciplina os meus pais adicionaram mais uma despesa ao seu orçamento para que eu pudesse ter uma ajuda exterior. Vinha hoje rua a cima a pensar com os meus botões, que nunca cheguei atrasada àquela explicação, que fizesse vento, chuva, frio, ou calor de derreter neurónios... subi sempre aquela rampa interminável e respeitei sempre o investimento e sacrifício dos meus pais com a minha presença pontual e empenhada.
Volvidos alguns anos, que não me apetece contabilizar, dita a ironia do destino que seja eu a explicadora dessa mesma disciplina. Já apanhei os que não pagam, os que chegam sempre atrasados, os que não querem saber, os que só querem saber para o dez... As excepções são aqueles que me deram o privilégio de nunca falhar sem avisar e de trabalhar com empenho a cada hora que partilhámos.
Numa semana de testes intermédios volto a estar numa de ajuda de SOS à filha de uma colega. E foi exactamente essa situação que me fez deambular por esta história toda.
Porquê?
Porque a aluna necessitada tinha a tarde livre e conseguiu chegar quase meia hora atrasada.
Só por isso?
Não. Porque quase ainda não se tinha sentado, já estava a receber um telefonema da mãe a perguntar a que horas saia.
Já está?
Ainda não. Uma hora depois estava a receber mensagens para não se atrasar, porque tinha de passar no sítio tal...
Percebo? Não, definitivamente, não percebo! Mas se calhar é melhor nem tentar.